STF censura reportagem em que Marcelo Odebrecht cita Dias Toffoli, presidente da Corte

JORNAL NACIONAL – O Supremo Tribunal Federal censurou sites que publicaram reportagem sobre documento em que Marcelo Odebrecht cita o presidente da corte, Dias Toffoli. No documento, não há...
STF censura reportagem em que Marcelo Odebrecht cita Dias Toffoli, presidente da Corte

JORNAL NACIONAL – O Supremo Tribunal Federal censurou sites que publicaram reportagem sobre documento em que Marcelo Odebrecht cita o presidente da corte, Dias Toffoli. No documento, não há referências a pagamentos ilegais. O ministro Alexandre de Moraes determinou a retirada da reportagem do ar, sob pena de multa diária.

A decisão diz: “Determino que o site O Antagonista e a revista ‘Crusoé’ retirem, imediatamente, dos respectivos ambientes virtuais a matéria intitulada ‘O amigo do amigo de meu pai’ e todas as postagens subsequentes que tratem sobre o assunto, sob pena de multa diária de R$ 100 mil, cujo prazo será contado a partir da intimação dos responsáveis. A Polícia Federal deverá intimar os responsáveis pelo site O Antagonista e pela revista ‘Crusoé’ para que prestem depoimentos no prazo de 72 horas”.

Alexandre de Moraes decidiu sobre a questão porque é relator de um inquérito aberto em março para apurar notícias fraudulentas que possam ferir a honra dos ministros ou vazamentos de informações sobre integrantes da Corte.

Segundo a reportagem publicada na quinta-feira (11), a defesa do empresário Marcelo Odebrecht juntou em um dos processos contra ele na Justiça Federal, em Curitiba, um documento em que ele esclareceu detalhes sobre um personagem mencionado em um e-mail, o Amigo do Amigo do Meu Pai, era Dias Toffoli, que, na época era, advogado-geral da União.

Conforme a reportagem, no e-mail, Marcelo tratava com o advogado da empresa – Adriano Maia – e com outro executivo da Odebrecht – Irineu Meireles – sobre se tinham “fechado com o Amigo do Amigo”. Não há menção a dinheiro ou a pagamentos de nenhuma espécie no e-mail. Ao ser questionado pela força-tarefa da Lava Jato, o empresário respondeu: “Refere-se a tratativas que Adriano Maia tinha com a AGU sobre temas envolvendo as hidrelétricas do Rio Madeira. Amigo do Amigo de Meu Pai se refere a José Antônio Dias Toffoli”.

Toffoli era o advogado-geral da União entre 2007 e 2009, no governo Luiz Inácio Lula da Silva.

O documento foi encaminhado à Justiça por um dos advogados de Marcelo Odebrecht e pede a inclusão dos dados no processo.

Segundo a revista, o conteúdo foi enviado à Procuradoria-Geral da República para que Raquel Dodge analise se quer ou não investigar o fato.

Em nota divulgada na sexta-feira, a Procuradoria afirmou que “ao contrário do que afirma o site O Antagonista, a Procuradoria-Geral da República (PGR) não recebeu nem da força-tarefa Lava Jato Paraná nem do delegado que preside o inquérito qualquer informação que teria sido entregue pelo colaborador Marcelo Odebrecht em que ele afirma que a descrição Amigo do Amigo de Meu Pai refere-se ao presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Dias Toffoli”.

Na própria sexta, segundo a decisão de Alexandre de Moraes, o presidente do Supremo, Dias Toffoli, mandou mensagem pedindo apuração com o seguinte teor:

“Permita-me o uso desse meio para uma formalização, haja vista estar fora do Brasil. Diante de mentiras e ataques e da nota ora divulgada pela PGR que encaminho abaixo, requeiro a V. Exa., autorizando transformar em termo está mensagem, a devida apuração das mentiras recém-divulgadas por pessoas e sites ignóbeis que querem atingir as instituições brasileiras”.

Na decisão, o ministro Alexandre de Moraes cita que os esclarecimentos feitos pela PGR “tornam falsas as afirmações veiculadas na matéria ‘O amigo do amigo de meu pai’, em típico exemplo de fake news – o que exige a intervenção do Poder Judiciário”.

“A plena proteção constitucional da exteriorização da opinião (aspecto positivo) não constitui cláusula de isenção de eventual responsabilidade por publicações injuriosas e difamatórias, que, contudo, deverão ser analisadas sempre a posteriori, jamais como restrição prévia e genérica à liberdade de manifestação”, afirmou.

No fim da tarde o Supremo Tribunal Federal afirmou por meio da assessoria que não se trata de censura prévia, que é proibida pela Constituição, mas sim de responsabilização pela publicação de material supostamente criminoso e ilegal.

Conforme o tribunal, o ministro Alexandre de Moraes se baseou em nota da Procuradoria-Geral da República, que afirmou não ter recebido qualquer informação do Paraná, ao contrário do que disse a reportagem.

A TV Globo confirmou que o documento em que Marcelo Odebrecht diz que apelido de Dias Toffoli era Amigo do Amigo foi de fato foi anexado aos autos da Lava Jato no dia 9 de abril, e seu conteúdo é o que a revista descreve. O documento, porém, não chegou à Procuradoria-Geral da República.

Nesta segunda-feira (15), a TV Globo verificou que o documento não mais consta do processo. Em 12 de abril, um dia após a publicação da reportagem, o juiz da 13ª Vara, Luiz Antonio Bonat, intimou a Polícia Federal e o Ministério Público Federal a se manifestarem. No mesmo dia, o documento foi retirado do processo. Ainda não se sabe as razões.

Em nota, um dos sócios da “Crusoé”, Mário Sabino afirmou que a revista foi surpreendida pela decisão do ministro Alexandre de Moraes de censurar a reportagem e que “além de censurar a revista, o ministro determinou que a Polícia Federal tomasse depoimento dos jornalistas”.

Sabino disse que os advogados da revista entrarão com recurso ao colegiado do STF, “para tentar reverter esse atentado contra a liberdade de imprensa, aspecto fundamental da democracia garantido pela constituição”. Segundo a nota, “na nossa visão, trata-se de ato de intimidação judicial. A liberdade de imprensa só se enfraquece quando não a usamos. Continuaremos a lutar por ela”.

O diretor da revista “Crusoé”, Rodrigo Rangel, disse que “reitera o teor da reportagem, baseada em documento, e registra, mais uma vez, que a decisão [de Moraes] se apega a uma nota da Procuradoria-Geral da República sobre um detalhe lateral e utiliza tal manifestação para tratar como fake news uma informação absolutamente verídica, que consta dos autos da Lava Jato”.

Rangel afirma também: “importa lembrar, ainda, que, embora tenha solicitado providências ao colega Alexandre de Moraes ainda na sexta-feira, o ministro Dias Toffoli não respondeu às perguntas que lhe foram enviadas antes da publicação da reportagem agora censurada”.

O jurista Michael Mohallem, professor da FGV, afirmou que houve censura e que a decisão do ministro Alexandre de Moraes viola a Constituição.

“Não só drástica, como inconstitucional, uma medida que não compreende a vontade da Constituição. A Constituição brasileira entendeu que é melhor garantir que uma informação circule livremente, ainda que ela possa eventualmente ofender alguém, ou possa não ser factualmente correta, do que proibir que ela circule, quando houver mera dúvida sobre se ela ofenderá alguém. Há mecanismos para reparar os danos. Há também um outro elemento, que é o próprio mercado jornalístico, quer dizer, o veículo que divulgar uma notícia que é factualmente errada, uma notícia não verdadeira, o próprio jornalista e o veículo se responsabilizam. Na verdade, há um dano reputacional, além dos mecanismos, dos remédios que o próprio direito dá para corrigir isso. A censura, evidentemente, não é o caminho certo, é um caminho proibido e não caberia nesse caso, me parece uma decisão que não compreendeu a própria vontade da Constituição”.

Repercussão

A Associação Nacional de Editores de Revistas e a Associação Nacional de Jornais consideram que a decisão do ministro Alexandre de Moraes configura ato de censura inconstitucional e incompatível com os valores democráticos e que a legislação prevê recursos para danos morais e direito de resposta.

A Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo disse que a medida é uma ameaça à liberdade de expressão; que é grave acusar de difundir fake news quem faz jornalismo com base em fontes oficiais e documentos; que é ainda mais grave utilizar deste conceito vago para determinar a supressão de conteúdo jornalístico; e que é alarmante o fato de o STF adotar a medida em um caso que envolve o presidente do tribunal.

A Associação Brasileira de Imprensa declarou que espera que o Supremo reveja a decisão, que classificou como teratológica, absurda; e que o STF restabeleça, com a urgência que o caso requer, o direito à informação e à liberdade de imprensa. A ABI afirmou ainda que, como guardião da Constituição, o Supremo não pode advogar em causa própria, criando casuísmos jurídicos que violam princípios e direitos, que deveriam ser protegidos pelo próprio tribunal.

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